Burla de mais de cem milhões! (Sobre a origem da palavra “filipeta")

As etimologias falsas estão para os linguistas assim como a Terra Plana está para os geógrafos. Você já deve ter visto alguma, como aquela história de que a palavra forró teria surgido de uma festa organizada por soldados americanos para todos os habitantes de uma cidade, daí for all > forró. Outra dessas é a de que a palavra larápio viria de um magistrado romano de nome Lucius Antonius Rufus Appius (L. A. R. Appius), que supostamente era desonesto e decidia a favor de quem o subornasse. Eu estava ciente da existência dessas etimologias freestyle quando, após ouvir a palavra filipeta numa entrevista, decidi descobrir sua origem.

A primeira explicação que eu encontrei, em alguns blogs, era a de que se tratava de uma referência a um estelionatário carioca de nome Luís Felipe de Albuquerque Junior, que comprava carros com notas promissórias que ele não tinha como pagar, tendo essas notas ficado conhecidas como felipetas. Esses blogs apontavam, no fim das contas, para uma matéria escrita pelo Leandro Narloch (autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, obra conhecida por sua precisão histórica e compromisso com os fatos, se me permitem a ironia) para a revista Aventuras na História. Foi nessa mesma matéria que eu conheci a história do juiz larápio que eu citei.

Outra explicação é de que a palavra viria do francês filipette, que significaria “pequeno cartão”.

Agora, com todo o seu conhecimento do tipo de história que se cria para justificar etimologias fantasiosas, me diga: qual dessas explicações você aposta que é a correta?


Pois é. A matéria da Aventuras na História continha um recorte de jornal onde se lia “O Caso das Felipetas”, o que me fez não desprezar de imediato essa hipótese e começar uma pesquisa na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Você pode imaginar a minha surpresa ao descobrir que houve de fato um escândalo no Rio de Janeiro no ano de 1952 envolvendo o então Tenente da Aeronáutica Luiz (ou Luis, em algumas fontes) Felipe Albuquerque Junior. O método era simples: ele comprava carros a prestação, com notas promissórias acima do preço de mercado, e imediatamente os vendia, à vista, por valores bem menores. Com o dinheiro que obtinha, ia pagando um ou outro a quem devia. Quando acabou o dinheiro e as dívidas estouraram, dezenas de pessoas foram à porta do seu escritório, com as tais notas em mãos, exigir satisfações. As promissórias ficaram então conhecidas como felipetas (um dos jornais apelidou os enganados de felipatos e, com todo o respeito, eu ri).


O tenente não comprou apenas carros, mas também aviões e até um jornal. Foi neste, inclusive, que ele publicou, no dia em que o escândalo veio a público, 13 de agosto de 1952, a seguinte nota explicativa”:
EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA — Razões imponderáveis levam-me a confessar àqueles que transações possuem comigo que, nesta data, por questões que são óbvias, venho de encerrar minhas atividades comerciais, limitando-me ao pagamento dos compromissos já assumidos. A previsão que muitos faziam, empiricamente, vem de se confirmar por motivos estranhos à minha vontade. Todavia, meu escritório continuará aberto; meu posto não ficará vazio; meu comportamento será igual. Ao contrário do que se possa propalar, não fugirei, não abandonarei o país nem sairei desta cidade do Rio de Janeiro. Todos serão atendidos, um por um, e pagos todos os meus credores positivando-se assim que a minha insolvência nada tem de criminosa. Solicito e recomendo, portanto, aos meus amigos, àqueles que em mim confiaram que se mantenham calmos e confiantes porque não desmerecerei do conceito que de mim fizeram.
Rio, 13 de agosto de 1952 — Luis Felipe de Albuquerque Junior

Como a palavra teve um e trocado por i e veio futuramente a ser sinônimo de “panfleto”, especialmente de divulgação de peças teatrais, fica para uma próxima pesquisa.

Eu sou um porco de trufas

A trufa é o "corpo frutífero" de algumas espécies de fungos subterrâneos, mais especificamente de alguns ascomicetos. Tradicionalmente, para localizar essas iguarias, usavam-se porcas, devido ao seu faro aguçado, capaz de detectar o dimetilsulfureto produzido pelo fungo. Atualmente, é mais comum empregar cães farejadores treinados especificamente para a tarefa. O motivo é simples: as porcas, com sua habilidade inata de farejar trufas, tendem a comê-las quando as encontram, enquanto os cães, embora necessitem de adestramento especial para encontrá-las, não as comem.